Bulimia nervosa: quando a busca pela beleza vira doença
Os pacientes com bulimia nervosa apresentam um comportamento alimentar que constitui um ciclo que se alterna em jejum ou restrição alimentar intensa, seguido de episódios de compulsão alimentar e utilização de métodos purgatórios, como vômitos auto-induzidos, utilização de laxantes, diuréticos e exercícios físicos intensos para evitar o ganho de peso.
O comportamento bulímico depende de uma série de fatores, incluindo a oportunidade de purgação, o tipo de alimento disponível e o estado de humor do paciente. O exagero no consumo alimentar desencadeia ansiedade e medo de engordar, levando à prática de comportamentos compensatórios inadequados para controle de peso, instalando-se aí um ciclo de restrição alimentar, episódio de compulsão alimentar e purgação. O aconselhamento inicial para a reabilitação nutricional do paciente com bulimia nervosa consiste no monitoramento dos episódios de compulsão alimentar e purgação. A regularidade nos hábitos alimentares visa o controle dos períodos de restrição e conseqüente compulsão alimentar, contribuindo para a interrupção do ciclo de compulsão, purgação e jejum.
Os objetivos da terapia nutricional têm como princípios básicos: minimizar as restrições alimentares, explicando ao paciente que não existem alimentos proibidos e que a proibição/restrição leva posteriormente a episódios de compulsão alimentar; estabelecer um modelo regular de refeições não compulsivas (três refeições diárias, além de dois lanches intermediários).
A quantidade de refeições é aumentada paulatinamente, dependendo do número inicial de refeições que o paciente costumava realizar. Às vezes, o paciente pode se assustar um pouco se, de imediato, for determinada a realização de cinco refeições ao dia. Podemos dizer que este é nosso objetivo final, mas isso deve ser feito aos poucos; incrementar a variedade de alimentos consumidos, diminuindo as crenças e tabus alimentares de cada paciente; corrigir deficiências nutricionais, a fim de estabelecer padrões dietéticos de macro e micronutrientes adequados; e minimizar as restrições alimentares e estabelecer práticas de alimentação saudáveis.
A utilização de um diário contribui para o desenvolvimento de um plano alimentar e para a normalização das refeições para pacientes com bulimia nervosa. Solicita-se que sejam anotados todos os alimentos consumidos, seguidos de dados como: local de realização da refeição, pessoas com quem realizou tal refeição, tempo de duração, se o paciente considerou a refeição compulsiva e se houve comportamento compensatório, e um item bastante importante para a compreensão dos gatilhos que levam ao comportamento inadequado qual o sentimento/sensação durante o momento da refeição ou ao longo do dia. Com isso, consegue-se elucidar melhor o padrão alimentar estabelecido.
O foco do tratamento é entender quando os pacientes comem e não necessariamente o que . É importante salientar ao paciente que, apesar de sua preocupação com o ganho de peso, que a realização de dietas é incompatível com o tratamento dos transtornos alimentares ao mesmo tempo. Portanto, o nutricionista não deve oferecer planos alimentares restritivos. Principalmente porque, dentre as causas iniciais ligadas ao início da BN, está o uso de dietas inadequadas para perda de peso e padrões arbitrários de peso ideal.
O conhecimento das dietas já utilizadas pelo paciente, bem como suas crenças, tabus e/ou restrições alimentares auxilia no tratamento. Os pacientes devem entender que a primeira intervenção é a normalização do padrão alimentar. Qualquer alteração de peso deverá ocorrer como resultado da normalização das refeições e da eliminação das compulsões.
O monitoramento do peso é necessário, porém, pode ocorrer resistência. Por isto, ele deverá ser esclarecido quanto às possíveis oscilações de peso. Os portadores de bulimia nervosa apresentam disfunções em suas capacidades de percepção e mecanismos envolvidos na regulação do comportamento de ingestão alimentar. Assim, apresentam maior urgência para comer, dificuldade em parar de comer e inabilidade no reconhecimento de sensações de saciedade, bem como distúrbios nos receptores de sabor. A primeira etapa inicia-se com a normalização do padrão alimentar.
As estratégias utilizadas para mudanças no comportamento e nas atitudes alimentares incluem: auto-monitoração por meio do uso do diário alimentar, educação alimentar, emprego de alternativas comportamentais para a compulsão alimentar, tais como comer em locais tranqüilos e acompanhado de pessoas que ajudam a diminuir a ansiedade, e prevenção de recaídas, mostrando ao paciente que as recaídas são comuns e não necessariamente prejudiciais.
O próximo passo é a introdução de alimentos proibidos na dieta. Essa medida é importante para provar que seu consumo não gera ganho de peso automático. A educação nutricional é necessária, pois apesar de se achar que estes pacientes entendem muito sobre alimentos, seus conhecimentos limitam-se às dietas para perda de peso e valor nutritivo de alguns alimentos. No tratamento nutricional, a contagem de calorias ou pesagem dos alimentos é desencorajada, visto que estes pacientes demonstram extrema atenção à composição dos alimentos e seus valores calóricos. O nutricionista é o profissional mais adequado para ajudar os pacientes no esclarecimento de mitos alimentares. Sua atuação é importante para a prestação de informações sobre dietas da moda e nutrição aos membros da equipe ligada à terapia, para que todos estejam conscientemente envolvidos no tratamento que é oferecido ao paciente bulímico.
Dra. Andréa Romero Latterza é nutricionista com especialização em Administração Hoteleira pelo Senac e mestrado em Saúde Pública. Já atuou como nutricionista voluntária do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (Ambulin) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e, atualmente, é professora e responsável pela Clínica Escola de Nutrição da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), atende em consultório particular e é colaboradora do Conselho Regional de Nutricionistas 3ª Região (CRN-3).