Enxaqueca aumenta problemas psicológicos em crianças
Crianças que têm enxaqueca são mais propensas a desenvolver problemas comportamentais, como sintomas de ansiedade, depressão e dificuldade de atenção. Quanto mais frequentes forem as dores de cabeça, maiores serão esses problemas. De acordo com a pesquisa, publicada no periódico médico Cephalagia, aproximadamente 1,7 milhão de crianças e adolescentes no Brasil têm 10 ou mais dores de cabeça por mês.
O estudo foi conduzido por Marco Arruda, diretor do Instituto Glia, em Ribeirão Preto, e por Marcelo Bigal, da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York. Para o levantamento, foram avaliadas 1.856 crianças brasileiras. Todas tinham idades entre cinco e 11 anos. De acordo com os autores, esse é o primeiro grande estudo do tipo a procurar uma relação entre os problemas psicológicos e a enxaqueca e a dor de cabeça tensional com uma base geral — e não apenas em crianças que procuravam atendimento médico. Informações sobre a frequência das crises também foram incorporadas ao levantamento.
A enxaqueca se caracteriza por uma dor que, normalmente, afeta apenas um lado da cabeça. A dor costuma piorar com o esforço físico, luz, ruídos e odores, e pode ser de moderada a intensa. A enxaqueca pode ainda estar associada a náuseas e vômitos. Já dor de cabeça tensional provoca uma dor que vai de leve a moderada. Sua causa pode estar relacionado a situações de estresse, mas seu papel ainda não foi completamente compreendido pela medicina.
No estudo, foram usados questionários internacionais para dor de cabeça e o Child Behavior Checklist (CBCL), para avaliar os sintomas emocionais. Em crianças que tinham tanto enxaqueca (23%) como dor de cabeça tensional (29%), as dores de cabeça mais frequentes estavam relacionadas com um aumento anormal na pontuação da escala que mede o comportamento. Os tipos de comportamentos mais vistos eram aqueles caracterizados como internalizados — direcionados para si mesmo.
Enquanto menos de um quinto das crianças do grupo de controle (19% da amostra) tinha problemas com comportamentos internalizados, mais da metade daqueles com enxaqueca tinham o problema. Já os comportamentos externalizados, como se tornar mais agressivo ou desrespeitar leis, não se mostraram diferentes nos dois grupos. "Como previamente relatado, descobrimos que a enxaqueca estava associada com problemas sociais", diz Arruda.
Pesquisas anteriores já haviam apontado que crianças com enxaquecas eram mais propícias a ter outros problemas psicológicos ou fisiológicos – como ansiedade, depressão e problemas de atenção e hiperatividade. Até agora, no entanto, poucos estudos tinham examinado a relação desses mesmos problemas com a dor de cabeça tensional em crianças. Incluir a frequência da dor de cabeça nessa análise também era uma peça importante do quebra-cabeça que estava faltando.
"Quanto maior a frequência, maiores as alterações psicológicas"
Marco Arruda
neurologista e coordenador do estudo e diretor do Instituto Glia, em Ribeirão Preto
Qual a importância da pesquisa?
A associação entre depressão e ansiedade e enxaqueca já era observada em crianças, mas não se sabia quais fatores que interferiam. Não se sabia se esses sintomas eram uma realidade para qualquer criança, tivesse ela baixa ou alta frequência de enxaqueca. Nós conseguimos descobrir que, quanto maior a frequência, maiores serão as alterações psicológicas. Crianças com enxaqueca por mais de 10 dias por mês têm, além de sintomas de depressão e ansiedade, têm mais dificuldades em prestar atenção, menos habilidades sociais, mal estares e dores pelo corpo.
Qual a relação entre a enxaqueca e os sintomas psicológicos?
Não sabemos. A hipótese mais provável, que surge a partir de estudos feitos em adultos, é de que os mesmos neurotransmissores estão relacionados com enxaqueca e depressão e ansiedade. Por isso, acreditamos que esses dois fenômenos tenham as mesmas bases neuroquímicas. Mas não podemos dizer se existe uma relação de causa e efeito.
A enxaqueca infantil é bem diagnosticada no Brasil?
Mais de 90% dos casos nunca foram diagnosticados e perto dos 80% nunca foram tratados. Geralmente, somente as crises são tratadas. Isso funciona na hora, mas não resolve o problema. O ideal seria fazer o tratamento preventivo. A falta de diagnóstico é mais crítica nas classes mais baixas.